domingo, 26 de abril de 2015

Um texto do Hipólito dos Santos para e exposição dos ícaros na Casa da Cultura de Setúbal

Maluquinho dos Ícaros

O João tem um atributo essencial para toda a pessoa que se preze e para todo o artista, artista – a Inquietação!
Tudo o que se passa no mundo e na sociedade, no seu todo e nas suas dimensões mais micro, a nível pessoal e político, social, ambiental, educativo, artístico é objecto da sua inquietação. A busca permanente da liberdade faz parte desse universo de inquietação. A liberdade individual como a colectiva. E isso não é fácil para ninguém e menos ainda para um artista que não tem um mecenas em si ou nas proximidades.
Com efeito, liberdade e sobrevivência tornam-se, por vezes, contraditórios. Sobreviver com dignidade é um labirinto do qual só é eventualmente possível escapar com a ajuda da imaginação, de ferramentas, sejam elas um parapente, um drône (não dos que matam), ou de algo mais lúdico, o mitológico Ícaro.
Na sua luta para subsistir, Azícaro por vezes vê-se obrigado a descer à terra, assentar bem os pés nela mobilizando a sua muita imaginação para não se deixar engolir na voragem duma realidade aceite como normal nas suas múltiplas descriminações. Encontra então o “mau desenvolvimento”, os imigrantes sem esperança, em embarcações apinhadas, a Revolta de Beja e os Vascos de Carvalho presos e ou assassinados, as manigâncias dos “ratios” dos eurogrupos ou das nações unidas.
Mas o Ícaro aparece sempre para o libertar, mesmo que momentaneamente, nem que seja necessário reforçar o dispositivo das asas para permitir uma mais duradoura libertação ou amar em maior segurança. As emblemáticas Tamanquinhas duram, durarão eternamente, suspensas dum Ícaro que também libertou o Zeca do realismo duma esquerda já então senil.
O João Azícaro foi meu mestre, sendo eu seu chefe. Foi o seu retorno à terra, em Moçambique ou na Torre Bela, a capacidade de aprender com os mais velhos, mas abrindo às asas de uma fantasia tecnológica mais avançada, que me trouxe o conhecimento indispensável, que não tinha, para dirigir um projecto e, assim, conseguir gerar esperanças de uma vida melhor para muita gente.
Ele pinta, pinta quando sonha ou fala, quando cozinha, quando passeia, quando lê ou ouve música. Pintar é para ele uma maneira de viver, de se fazer entender! Aprendi muito com isso e com ele.

José Hipólito Santos

Oeiras, Abril de 2015

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